Por Walmar Andrade / Arquivo Mude.nu
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O trânsito tem sido um dos principais problemas para quem almeja qualidade de vida nas grandes cidades do Brasil. Apesar disso, praticamente nenhum governante enfrenta o problema com seriedade, oferecendo apenas soluções paliativas.
Blumenau Imagem: Reprodução |
E o que o prefeito da cidade anunciou que faria? Limpeza das galerias, para reduzir alagamentos, e mais agentes de trânsito nas ruas. Só.
Ações enganadoras como essas apenas empurram o problema com a barriga, para que a população comece a se acostumar que é normal passar quatro horas do dia (cerca de 25% do tempo que você passa acordado) preso no carro ou no ônibus.
Vejamos agora 10 soluções de verdade, que um governante de coragem teria que tomar para resolver o problema do trânsito nas grandes cidades do país.
1. Transporte público decente
Vamos ser claros. O transporte público oferecido no Brasil é uma indecência.
Vamos ser claros. O transporte público oferecido no Brasil é uma indecência.
Os ônibus não têm horário certo para passar, são caros, desconfortáveis e pouco integrados com outros modais de transporte. As linhas de metrô, quando existem, são poucas e sofrem dos mesmos problemas.
Poucos, caros, desconfortáveis, atrasados e ineficientes Imagem: reprodução |
Não existe solução para o trânsito que não passe pela adequação do transporte público. Aqui vão algumas ideias:
- Rigor nos horários: só dá para confiar em um transporte público que respeite os horários. As pessoas precisam ser pontuais para chegar ao trabalho, à escola e aos demais compromissos. Na cidade de Barcelona, cada parada de ônibus tem a lista completa das linhas que passam no local e os horários das mesmas. Em muitas, há um painel eletrônico simples que informa quanto tempo falta para o ônibus chegar até aquela parada. Há ainda um sistema de SMS em que você envia um torpedo do seu celular com a linha que você quer e a parada em que você está e recebe de volta o tempo que falta para o ônibus chegar.
- Faixas exclusivas para ônibus: Não dá para os ônibus ficarem disputando espaço com tantos carros. Para uma solução real do trânsito, é mister que boa parte das ruas sejam dedicadas a eles. Aliás, se a prioridade é o transporte público, a maioria das ruas e avenidas deve ser dedicada aos ônibus e a minoria, aos carros (exceto, claro, em vias de tráfego muito local onde não passam ônibus).
- Expansão e integração do metrô: O meio de transporte mais eficiente para as grandes cidades são as linhas subterrâneas de metrô. Ocorre que no Brasil a prioridade sempre são os carros, então o dinheiro público é todo utilizado em ruas, semáforos, agentes de trânsito, sinalização. Não há sobras nem interesse em investir no metrô. O resultado são poucos trens e quase nenhuma integração com outros modais.
- Climatização e qualificação dos veículos: É difícil convencer alguém a deixar o seu carro para entrar em um ônibus lotado, quente, com cadeiras quebradas e tocando música brega nas alturas. Os ônibus precisam ser climatizados, precisam ter assentos acolchoados, precisam respeitar que as pessoas não são obrigadas a ter o mesmo gosto musical do motorista.
- Equilíbrio entre oferta e demanda: A oferta de veículos precisa ser compatível com a demanda das linhas. É normal que algumas pessoas fiquem em pé, mas não é aceitável um ônibus trafegar com o triplo da capacidade do veículo. Qualquer carro particular que andasse com 15 pessoas em vez de 5 seria multado. As empresas de transporte teriam que reduzir a margem de lucro para ofertar mais ônibus de acordo com a quantidade de pessoas que andam nas linhas e o governo teria que multar as que não fazem isso, andando com ônibus superlotados.
- Educação dos funcionários: Aparentemente, motoristas, cobradores e fiscais de ônibus são contratados e jogados dentro dos veículos. Não há nenhum treinamento para que essas pessoas atendam seus clientes com presteza e educação. Pelo contrário. Submetidos a jornadas longas e com baixos salários, motoristas e cobradores são muitas vezes ameaçadores para usuários que querem apenas uma informação.
- Preço das passagens: Mesmo com veículos ruins e funcionários mal treinados, o preço das passagens é caro. Dependendo da distância, sai mais barato pagar o combustível do carro do que a duas passagens de ônibus. A conta precisa ser refeita, mesmo que seja necessário um subsídio maior do governo às empresas de transporte.
2. Pedágio urbano para carros
Quando você está sozinho no seu carro, em um engarrafamento, você não está preso no trânsito. Você é o trânsito.
Soluções reais para o trânsito são aquelas que retiram o excesso de carros das ruas e colocam as pessoas em transportes coletivos.
Pedágio Urbano em Cingapura Imagem: Reprodução |
A cidade de Münster, na Alemanha, fez um estudo comparando o espaço ocupado por carros e ônibus.
Para transportar 72 pessoas, com uma média de 1,2 pessoas por veículo, seriam preciso 60 carros, ocupando 1.000 metros quadrados.
Para transportar a mesma quantidade de pessoas em um ônibus, o espaço ocupado é de 30 metros quadrados. Ou seja, quase 34 vezes menos espaço. Isso sem contar que os ônibus não precisam de estacionamentos, poluem menos e quebram menos quando a proporção é de 1 para 60.
A título de curiosidade, 72 pessoas em 72 bicicletas ocupam 90 metros quadrados, 11 vezes menos que os carros.
O pedágio urbano é uma taxa que atinge quem mais usa o veículo. No sistema atual, o dono de um carro paga diversas taxas (IPVA, seguro obrigatório, taxa dos bombeiros etc.). Nenhuma delas, entretanto, está ligada à intensidade de uso do automóvel.
Para transportar 72 pessoas, com uma média de 1,2 pessoas por veículo, seriam preciso 60 carros, ocupando 1.000 metros quadrados.
Para transportar a mesma quantidade de pessoas em um ônibus, o espaço ocupado é de 30 metros quadrados. Ou seja, quase 34 vezes menos espaço. Isso sem contar que os ônibus não precisam de estacionamentos, poluem menos e quebram menos quando a proporção é de 1 para 60.
A título de curiosidade, 72 pessoas em 72 bicicletas ocupam 90 metros quadrados, 11 vezes menos que os carros.
O pedágio urbano é uma taxa que atinge quem mais usa o veículo. No sistema atual, o dono de um carro paga diversas taxas (IPVA, seguro obrigatório, taxa dos bombeiros etc.). Nenhuma delas, entretanto, está ligada à intensidade de uso do automóvel.
Centro de Londres Imagem: Reprodução |
Um carro de empresa que roda o dia todo no trânsito da cidade paga o mesmo, em taxas, que o carro de um aposentado que só sai de casa de carro nas quartas-feiras para jogar bocha no parque com os amigos.
É necessário haver um custo maior para quem quer dirigir em ruas mais congestionadas, para reduzir o trânsito nas áreas mais problemáticas e incentivar o motorista a usar o transporte público. Quem consome mais o bem público (a rua, os sinais, o guarda, a sinalização) tem que arcar mais com o custo de manutenção.
Londres adota essa ideia desde 2003. Qualquer carro que queira entrar no centro da cidade, tem que pagar pedágio. O resultado foi mais gente usando o transporte público e a solução para o problemas dos engarrafamentos no trânsito da cidade.
Para implantar essa solução, é preciso duas coisas:
- Que o transporte público seja qualidade
- Que o governante tenha coragem, pois a princípio será uma medida bastante impopular
3. Priorização do transporte cicloviário
Ciclovia padrão Imagem: Reprodução |
Todos sabem os benefícios do transporte por bicicleta. É mais barato, mais saudável, mais sustentável e, dependendo da distância, mais rápido.
Mas quantas cidades brasileiras realmente priorizam o transporte cicloviário? Nenhuma. Já cidades que conseguiram resolver o problema do trânsito, como Amsterdã e Copenhague, deram prioridade absoluta para as bicicletas.
As bicicletas são relegadas a segundo plano, precisam trafegar nas beiras das ruas e muitos ciclistas morrem em acidentes facilmente evitáveis.
As bicicletas são relegadas a segundo plano, precisam trafegar nas beiras das ruas e muitos ciclistas morrem em acidentes facilmente evitáveis.
Para implantar o transporte por bicicleta, o governante teria de criar:
- Ciclovias: Pois não dá para as bicicletas disputarem espaço com veículos motorizados. As ciclovias precisam ser de verdade, e não essas pseudo-ciclovias que nada mais são do que uma faixa pintada no chão e que só funciona dia de domingo. Precisam ser caminhos para as áreas mais requisitadas da cidade, precisam ser separadas dos carros, precisam de manutenção.
- Bicicletários: As bicicletas precisam ser estacionadas, precisam ser guardadas enquanto o dono está longe. Os bicicletários precisam estar em pontos estratégicos, bem localizados, e com alguma segurança para evitar o roubo de partes das bicicletas.
- Banheiros públicos: Vivemos em um país quente. Muitas das pessoas que vão de bicicleta ao trabalho precisam tomar um banho ao chegar. O governo precisa criar banheiros públicos e criar algum incentivo para as empresas que mantenham bicicletários e banheiros com chuveiro para seus funcionários.
- Campanhas educativas: Uma vez que a cidade esteja equipada, é preciso criar uma boa campanha educativa para incentivar as pessoas a usarem as bicicletas, para educar os motoristas a respeitarem os ciclistas e para incentivar as empresas a construírem banheiros e bicicletários.
- Subsídios para bicicletas: Fábricas de carros recebem incentivos fiscais. Empresas de ônibus são subsidiadas. Por que então não subsidiar também as bicicletas? A magrela precisa ser acessível para ser ainda mais popularizada, principalmente porque será preciso muita reposição com o desgaste provocado pelo uso contínuo.
Em Barcelona e em Londres, existe um sistema de aluguel de bicicletas. A pessoa faz o cadastro, pega a bicicleta em um ponto e entrega em outro. Se a bicicleta sumir ou for danificada, o usuário é multado ou até mesmo excluído do sistema. Veja o vídeo que fiz sobre o esquema:
4. Rodízio de carros
O rodízio de carros, adotado por São Paulo com resultados razoáveis, é mais uma estratégia para fazer as pessoas deixarem o carro em casa e utilizarem o transporte público.
Com rodízio, São Paulo é assim. Imagine sem. Imagem: Reprodução |
As pessoas são seres de hábitos. Mesmo que o transporte coletivo magicamente se tornasse eficiente, pontual, bem cuidado e barato, muitas pessoas continuariam utilizando seus carros, por puro hábito.
O rodízio, o pedágio urbano e outras ações devem fazer com que esse hábito seja quebrado. Uma vez que o motorista veja que é mais vantajoso ir de transporte coletivo do que no seu próprio carro, a tendência é utilizá-lo apenas em saídas pontuais.
5. Remoção de obstáculos
Quantas vezes você já não ficou parado atrás de um carro que esperava o portão de um edifício se abrir para que ele entrasse? Ou de um caminhão fazendo carga e descarga em pleno horário comercial?
Remover obstáculos desse tipo é atitude essencial para uma boa fluidez do trânsito. Eis algumas ideias:
- Recuos obrigatórios em edifícios: As entradas de edifícios deveriam ser regulamentadas para que comportassem um carro antes do portão de acesso. Assim, o carro não ficaria atrapalhando o trânsito, mas também não entraria de qualquer maneira nos prédios.
Blumenau
Imagem: Reprodução - Proibição de carga e descarga entre 7h e 20h: Mudanças, carros-pipa, abastecimento de supermercados, tudo o que coloque caminhões nas vias públicas no horário comercial deve ser proibido. A carga e descarga deve acontecer depois das 20h até às 7h do dia seguinte.
- Buracos tapados: A quantidade de buracos nas ruas também faz com que o trânsito flua mais devagar. Quando o motorista vê o buraco, ele reduz a velocidade, ou tem que mudar de faixa para desviar. Quando não vê, corre-se o risco de furar um pneu ou quebrar o carro, que será mais um obstáculo na via.
6. Investimento em transportes alternativos
Cada cidade precisa pensar em meios de transporte alternativos que ajudem na locomoção das pessoas.
Em Salvador, o Elevador Lacerda transporta pessoas da parte baixa para a parte alta da cidade.
Tram em Barcelona Imagem: Reprodução |
No Recife, há diversos rios cortando a cidade, mas não há nenhum sistema de transporte aquaviário. Bem diferente do que ocorre em Veneza, na Itália, onde há verdadeiras frotas de táxi naval.
É preciso abrir a cabeça para pensar em alternativas que não sejam carro ou ônibus, levando em consideração as características de cada cidade.
7. Central de Inteligência para o trânsito
Central de Inteligência da SMTT Aracaju Imagem: Reprodução |
8. Horários alternativos
Por que praticamente todas as empresas começam às 8h e largam às 12h, voltam às 14h e terminam às 18h? Nem todas elas precisam realmente seguir esse horário, que provoca grandes picos de congestionamentos, enquanto em outras horas do dia o tráfego fica livre.
Uma boa maneira de controlar isso seria o próprio governo alterar em uma hora para mais ou para menos os horários de funcionamentos flexíveis de suas repartições. As escolas, públicas e privadas, também poderiam ter horários alternativos. E empresas que pudessem flexibilizar também poderiam ser incentivadas pelo governo, por estarem indiretamente colaborando com um trânsito melhor.
9. Mais multas
Você leu certo. Estou defendendo que a indústria da multa seja ainda maior.
Penso que as pessoas reclamam da indústria da multa esperando algum tipo de flexibilização por parte dos agentes de trânsito. Os motoristas esperam que os agentes aceitem o tradicional “pode-e-não-pode” que Roberto Damatta magistralmente explicou como sendo característica dos brasileiros em “O Que Faz o Brasil, Brasil?”.
GMT Blumenau Imagem: Reprodução |
Nova Iorque já demonstrou que a política de tolerância zero surte efeito (embora tenha sido usada em outro tipo de problema). Acredito que o mesmo é válido por aqui.
Defendo também que haja leis mais rigorosas para que o dinheiro arrecadado com as multas seja diretamente aplicado nas soluções reais para o trânsito e que agentes que aceitem suborno sejam julgados e, se condenados, punidos de duas formas: administrativamente, devem receber pena de demissão do serviço público; penalmente, devem ser condenados a uma prestação alternativa de alguma forma ligada a melhoria do trânsito.
10. Diminuição do status do carro e da indústria automobilística
A última das soluções para o trânsito é diminuir o poder que o carro tem como um símbolo de status na nossa sociedade.
Imagem: Reprodução |
Hoje em dia, com inflação controlada e disponibilidade de crédito, vemos um absurdo de vendas de veículos no país. Não há mais motivo de o carro ser visto como símbolo de status. Não são as pessoas que estão erradas, é o transporte coletivo que é ruim demais no Brasil.
O governo, em vez de incentivar transporte coletivo e bicicletas, viu como uma das maneiras de escapar da crise de 2008 reduzir o imposto sobre produtos industrializados, beneficiando diretamente a venda de carros.
Somente em 2010, foram 3,320 milhões de veículos vendidos, um aumento de 10,6% frente às vendas registradas em 2009. Bom para a economia, péssimo para a qualidade de vida de boa parte da população.
Imagem: Reprodução |
A solução aqui é bem mais complicada, pois seria necessário reduzir o peso que a indústria automobilística tem no Brasil. Atualmente, o mercado automobilístico brasileiro representa cerca de 10% do PIB. Não dá para se destruir o que já temos, mas dá para deslocar o incentivo que é dado para que outras indústrias cresçam e assim reduzam o peso relativo que os automóveis representam na nossa economia.
Um governante também teria que ser bastante corajoso para reposicionar, através de campanha educativa e publicitária, quem anda de carro como o “errado”, enquanto o certo seria andar de transporte coletivo e deixar o carro apenas para deslocamentos pontuais.
Publicado Originalmente em Mude.nu em 23 de maio de 2011