Eu gostaria que todos olhassem
essa foto. Mas, não olhar por olhar: eu gostaria que enxergassem além do que a
retina registra.
A notícia poderia ser o
aniversário de 3 meses do bebê de 3 meses. Ou mesmo o aniversário de casamento
do Kassius, 32 anos, e da Ângela, 25 anos. Poderia ser um sem fim de notícias
felizes, como uma formatura, o convite para a inauguração da casa nova, a cura
de uma doença grave que foi superada ou algo assim.
Mas a verdadeira história por
trás dessa foto é que essa família foi morta num acidente de trânsito: todos
que estão na foto e mais um filho de 3 anos.
O Kassius e a Ângela estavam
levando o bebê da foto a uma consulta médica quando trafegavam pela BR-285 e um
motorista de caminhão fez uma ultrapassagem proibida. Dirigia pela contramão
quando bateu de frente com o veículo da família. Desesperado e encurralado pela
imprudência do motorista do caminhão, Kassius ainda tentou frear, desviar, mas
não tinha para onde.
A colisão frontal foi inevitável.
O Kassius e a Ângela morreram no local e os filhos, de 3 meses e 3 anos,
respectivamente, morreram a caminho do hospital.
O motorista do caminhão? Esse
escapou ileso fisicamente (moralmente e como ser humano eu não sei) e foi
retirado às pressas antes de ser linchado pela população. Não foi preso porque
não estava no local e não houve flagrante.
Infelizmente, milhares de
famílias choram essa dor e muitas ainda vão chorar porque não conseguem sequer
cuidar de suas próprias vidas no trânsito, quem dirá da vida de outras pessoas.
Uma coisa que aprendi com a
policial rodoviária Marisa Dreys é que o acidente é a infração que não deu certo.
E como dizem os estudiosos do assunto, são 3 falsas certezas incorporadas como
sentimentos e que influenciam os códigos de condutas e práticas dos motoristas
infratores no trânsito:
- 1ª
excesso de confiança nas habilidades que pensam que tem e que dão a falsa
certeza de que podem ter controle sobre tudo no trânsito;
- 2ª
crença na impunidade, que vai virando sentimento, que alimenta a emoção de
correr riscos no trânsito e a falsa certeza de que escapará impune;
- 3ª Aquela
falsa certeza de que nunca se envolverá num acidente.
O fato é quando estão acelerando,
ultrapassando em local proibido ou cometendo qualquer outro atentado à própria
segurança e à segurança das outras pessoas no trânsito, os condutores nunca
pensam nas consequências.
“Não! Comigo não acontece!”. Ou
quem sabe: “aqui é motorista! Tenho braço! Você sabe quanto tempo eu tenho de
carteira?”
Só que o que faz o bom motorista
não é só o tempo de carteira; não é o fato de ter braço firme para dirigir ou
não, e muitos anos de habilitação acabam gerando um perigoso excesso de
confiança que faz o motorista se sentir blindado!
Em via pública o foco são os
deslocamentos, mas muito dirigem como se incorporassem os pilotos de autódromo
ou os personagens de filmes de corrida.
Muitos, só desistem de dirigir
perigosa e agressivamente depois que sofrem um acidente. Outros, sequer
sobrevivem para mudar suas atitudes no trânsito, coisa que deveriam ter feito
pela conscientização pelo tempo em que estiveram vivos.
Mas, o pior de tudo, são famílias
inteiras que morrem em acidentes de trânsito todos os dias no nosso país e no
mundo.
O pior de tudo é a legião de
feridos, amputados e sequelados físicos e neurológicos, muitos, irreconhecíveis
depois do acidente.
Mas, se existe algo ainda pior do
que tudo isso junto é o ceticismo generalizado de quem só vai mudar de verdade
as suas atitudes no trânsito depois de se envolver num acidente ou ficar
dependente de remédios controlados pelo resto da vida porque não consegue
conviver com a culpa e a desgraça de ter matado pessoas no trânsito.
Infelizmente, a sociedade ainda tem
e terá que conviver com isso, com essa forma de violência e egoísmo de muitos
motoristas e até pedestres.
A luta vai parecer inglória em
alguns momentos e quem sabe, a maior parte do tempo. Mas, não podemos desistir,
não podemos cansar, não podemos abandonar a causa humanitária de lutar para
preservar a vida de outras pessoas no trânsito.
Não interessa se o governo
brasileiro não investe o que deveria em prevenção e educação para o trânsito
(isso é só mais uma luta inglória). Não vamos parar por causa disto e será mais
uma batalha que temos pela frente.
Não interessa se temos bons
guerreiros e multiplicadores se cansando e ficando pelo caminho quando poderiam
estar somando e fazendo a diferença conosco.
O que interessa de verdade e o
mais importante é que a chama não se apague dentro de cada um de nós e possamos
sempre fazer o nosso melhor, de forma individual e coletiva, por um trânsito de
paz. Porque a vida do outro tem o mesmo valor que a minha e lutar pela
preservação da vida é obrigação de cada um.
Imagens: Reprodução