Na última semana do
Maio Amarelo pude acompanhar uma ação preventiva e educativa feita por ativistas
da ABC Ciclovias. Durante 1 hora e meia os ciclistas que passavam pela pracinha
que fica no cruzamento entre as ruas Marechal Deodoro e João Pessoa foram
abordados, foi feito diálogo preventivo, receberam exemplares do Código de
Trânsito Brasileiro (CTB) e elementos refletivos obrigatórios conforme o art.
105 do CTB. Mas, o que mais me chamou à atenção foram as histórias de vida
dessas pessoas.
A maioria vai e volta
do trabalho de bicicleta e pedala bikes simples, sem nada de sofisticação e de
proteção. Usam roupas do dia a dia ou mesmo os uniformes de trabalho. Saem de
casa para os primeiros horários nas fábricas e empresas. Cruzam a cidade de um
ponto a outro na magrela e voltam para casa à noite. Ainda assim, não costumam usar
a devida proteção.
Na oportunidade, pude
conhecer um ciclista que ainda tinha a mão fraturada, resultado de uma “fina”
que levou de um motorista de ônibus. Também conheci a ciclista que se sentiu à
vontade na conversa e contou sobre um tombaço por conta de galhos de árvores
que foram podados por prestadores de serviço ao poder público, mas que não
tinham sido retirados da calçada. Era noite, os galhos enroscaram no aro e o
tombo foi inevitável. Surpresa mesmo foi saber que essa ciclista que usa a bike
como meio de transporte diário é xingada por motoristas e por pedestres que
também têm de andar pelo cantinho da pista de rolamento onde não há calçadas.
Impressionante também o
relato de um ciclista que mora na Velha Central e pedala diariamente para além
da Rua 1º de Janeiro, ida e volta para o trabalho todos os dias.
E também conheci as
histórias dos ciclistas acidentados na ciclofaixa; em via pública; os que são
“empurrados” de propósito pelos motoristas; os que são xingados; os que caíram
em bueiros abertos e em buracos e falhas dos passeios públicos.
Em algumas empresas que
tenho visitado por conta de meu trabalho como palestrante em Educação Para o
Trânsito Corporativa tenho visto cada vez mais bicicletários (e lotados).
Neste ano em que o tema
da Semana Nacional do Trânsito é a cidade para as pessoas, talvez o que esteja
faltando mesmo é prestar mais atenção nos ciclistas, que das duas uma: ou
parecem invisíveis aos olhos dos gestores da cidade, ou não se quer
enxergá-los. Prestar mais atenção no trabalhador e na trabalhadora que pedalam
todos os dias debaixo de sol ou de chuva. Prestar mais atenção nas crianças que
vão e voltam de bicicleta da escola; em quem pedala por lazer; em quem usa a
bike para pequenos trajetos; para ir no mercadinho perto de casa e traz as
compras na cestinha ou no bagageiro; ou simplesmente pedala por prazer.
Talvez o que esteja
faltando aos políticos e gestores que em época de eleição se preocupam tanto em
cuidar das pessoas e melhorar a vida das pessoas seja isso: ir para as ruas não
só para apertar as mãos e dar tapinha nos ombros, mas para enxergar as vidas
que se deslocam sobre bicicletas em Blumenau.
Talvez falte mesmo mais
visão para enxergarem além do discurso de que a cidade é e deve ser feita para
as pessoas e que todos têm direito à vida e à via.
E que saiamos daquele
discurso tosco de quem ouve só pensando na resposta que vai dar, por exemplo,
de que a geografia da cidade não ajuda para pedalar; de que não pode levar a
mulher e o filho de bicicleta no trabalho e na escola em dia de chuva. Outros, chegam
ao extremo de se irritar como se quem defende a bicicleta como alternativa
sustentável, pregasse a extinção dos carros e motos pela substituição à
bicicleta, quando estamos falando de uso racional do veículo e investimentos em
transporte público de qualidade.
É óbvio que não se pode
mudar as coisas de um dia para o outro, mas quanto mais evitarmos tocar no
assunto, quanto mais evitarmos as bicicletas e os ciclistas, mais atrasados e
distantes de um plano de mobilidade segura ficaremos.
Não se trata só de
reclamar de falta de projetos ou de dinheiro para viabilizar projetos para
construção de ciclovias, mas de se pensar a cidade para as pessoas como gostam
de prometer, e isso se faz com medidas de engenharia, mas também com medidas de
fiscalização e de prevenção e educação para o trânsito.
Enquanto isso o
discurso que se vende é de que nunca vai existir agentes de trânsito que chega
para fiscalizar e autuar tanta infração, ainda mais nos bairros. Nunca vai
existir recurso e equipe que chega para consertar as vias esburacadas e para
tampar bueiros abertos. Nunca vai existir argumento suficiente para se começar
a priorizar as pessoas em vez dos veículos enquanto insistirmos em analisar a
questão da mobilidade de forma descontextualizada do todo.
Enquanto isso, a vida
segue sobre rodas em Blumenau e os que pedalam continuam esquecidos, ignorados,
sem serem vistos. Continuam sendo atropelados (o termo certo é colisão). Seja
pelos motoristas, seja por quem modifica a cidade para privilegiar os veículos
e tentar tapear, por algum tempo, o inevitável.
Caiam na real, gente!
Cerca de 1,2 mil novos emplacamentos por mês em Blumenau é muita coisa para se
somar a uma frota que cresce a cada ano e que até agora já é de 235.195
veículos. Não demora muito, vai faltar rua para tanto carro! Alguém duvida?
Imagens: Reprodução.
Imagens: Reprodução.