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Em 1960, eu
havia entrada para a escola, a maravilhosa escola que abrir-me-ia as portas
para o grande mundo que havia nos livros e, onde, coleguinhas mais sabidos do
que eu, ensinaram-me que Papai Noel não existia. Eu encarei com força aquele
desvendar de uma nova verdade e, conforme o Natal se aproximava, ficava em casa
repetindo impertinentemente:
Imagem: Reprodução |
- Papai Noel
não existe! Papai Noel não existe!
Minha irmã
Margaret, então, tinha quatro anos, e é claro que minha mãe queria que ela
continuasse a acreditar em Papai Noel. Quando eu começava com aquela cantilena
boba, minha mãe pedia para que eu parasse, e depois implorava, e depois me
ameaçava, mas eu não dava um passo atrás na reafirmação da nova verdade que
descobria: Papai Noel não existia, e eu queria que todos soubessem que eu sabia
disso.
Meu pai e
minha mãe, com certeza, estavam bem de saco cheio comigo e aprontaram a sua
cena de Natal.
Imagem: Reprodução |
Na noite de
Natal, noite em que nós costumávamos achar muitos chocolates e presentes sob a
árvore, jantamos com toda aquela ansiedade que as crianças têm na Noite de
Natal, ansiosas por chegar a hora das surpresas. Depois do jantar, minha mãe
lavou a louça com toda a calma, como em qualquer dia comum.
Depois, abriu as
latas de doces-de-Natal e encheu alguns pratos com eles. Com mais calma ainda,
levou os doces para baixo da árvore-de-Natal e os colocou lá, enquanto meu pai
acendia as velas do pinheirinho. Ai sentaram-se a conversar, como em qualquer
dia comum, e nesse ponto eu já estava explodindo. Minha ansiedade era tão
grande que não resisti:
- E o Natal?
- Ora, nós
estamos festejando o Natal! A árvore já está acesa, já temos os doces que
fizemos...
- E os
chocolates? E os presentes?
- Ah! Isto
são coisa que o Papai Noel traz! Como Papai Noel não existe, como é que ele vai
trazer tais coisas?
Imagem: Reprodução |
Se alguma vez
senti frustração na vida, foi naquele momento. Onde estava o meu Natal? Onde
estava o encanto dos pralinés recheados de rum, e as bonecas e os lápis-de-cor
novos, e as garrafas de frisantes que se tomavam naquela noite? Onde estava a
magia dos Natais anteriores? Onde estava aquela ânsia na alma, que nos outros
anos havia me preenchido de alegria? Intensamente frustrada, eu creio que já
estava a ponto de chorar, quando aconteceu o milagre: nossa casa passou a
ressoar com grandes pancadas nas sua paredes de madeira, enquanto todos pulavam
de susto e diziam:
Imagem: Reprodução |
- É o Papai
Noel! É o Papai Noel!
Meu pai
apressou-se a abrir a porta e, curvado sob um grande saco, Papai Noel de
verdade entrou lá em casa. Naqueles idos, Papai Noel não se vestia de vermelho,
como hoje; usava uma bizarra roupa feita de sacos de estopa e, à guisa de
barba, tinha a pele de algum animal pequeno, com certeza caçado pela
vizinhança, preso sob o queixo. Nenhuma criança de hoje levaria à sério aquele
Papai Noel, mas eu levei, meu Deus, como levei! Voltara a acreditar nele
imediatamente, nem me passava mais pela cabeça a outra certeza, e quando ele
nos fez as tradicionais perguntas, tipo se obedecêramos à mãe durante o ano,
fui eu quem respondeu com mais convicção. Ele era um Papai Noel exigente,
mandou que nos ajoelhássemos e rezássemos uma Ave Maria e um Pai Nosso, e rezei
com o maior fervor da minha vida até então. Foi embora, então, deixando-nos um
saco pejado de guloseimas e presentes, e lá estavam os pralinés, as bonecas, os
cadernos com cheiro de novo, as caixas de lápis-de-cor com 24 lápis, os
joguinhos, as loucinhas para brincar de boneca. Tudo tinha ficado lindo, toda a
magia voltara e, com certeza, eu era a criança mais feliz do mundo quando meu
pai me deixou beber um pouquinho de frisante. (Hoje, não existe mais frisante.
Fico pensando o que era aquela bebida de gosto tão bom. Talvez, seja o que hoje
chamamos de cidra.)
Até hoje eu
não sei quem foi o vizinho que se vestiu de estopa naquela Natal de 1960, e
trouxe para mim a alegria de volta. Só sei que, a partir daí, por muitos anos
ainda eu acreditei em Papai Noel.
Blumenau, 01
de Dezembro de 1996.
Urda Alice
Klueger
Publicado originalmente no Blog Adalberto Day em domingo, 15 de dezembro de 2013