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sexta-feira, 28 de março de 2014

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Sociedade - Quem perdeu e quem venceu no golpe militar de 64?

Por Luiz Flávio Gomes
Jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorLFG.com.br

Depois de 50 anos, quem já se desencapsulou (quem já quebrou a casca do ovo para ver o mundo como ele é) sabe bem que quem perdeu, no golpe militar de 64, foram o comunismo, a esquerda, o presidente deposto João Goulart e seus seguidores, o seu governo (de setembro de 1961 a março de 1964), a FMP (Frente de Mobilização Popular), as reformas de base (agrária, escolar, financeira), a esperança dos sonhadores socialistas de um país melhor, os países alinhados com o socialismo mundial, o diálogo, a democracia (até a esquerda dizia que não dava para ter democracia com a barriga vazia), os salários dos trabalhadores (que foram arrochados), o poder aquisitivo do salário mínimo, a “república sindicalista”, o legalismo (Estado de direito), a falta de governamentalidade, os direitos políticos dos cassados, as vidas dos que morreram, a liberdade dos que foram exilados etc. Estes são os que perderam.

E quem venceu? No plano do aparente do aparente (o mais visível), venceram (no golpe militar de 64) o setor militar que queria a ditadura (que quis impedir a posse de Getúlio em 1950, a posse do Juscelino em 1955, a posse do João Goulart em 1961), a Marcha da Família com Deus para Liberdade (setor fundamentalista da Igreja católica), a conspiração da Direita (os conservadores), a solução autoritária dos problemas pátrios, a burguesia capitalista, a pequena burguesia conservadora de classe média, os EUA (que financiaram muita coisa, especialmente as marchas e o Ibad – Instituto Brasileiro de Ação Democrática), a doutrina da segurança nacional, a crise econômica de conjuntura, a inflação alta, a desorganização da economia, do abastecimento, o mercado negro etc.

Mas é no plano do oculto do aparente que conseguimos descobrir os que venceram de verdade: o capitalismo, que sempre foi o algoz do comunismo, sobretudo durante a Guerra Fria, os EUA (que ensinaram as técnicas de tortura para os militares brasileiros), os capitalistas da burguesia local bem como todos os que apoiaram essa elite, incluindo a grande imprensa (Globo, Estadão, Folha, Jornal do Brasil) etc. A grande guerra que estava por detrás do aparente do aparente não se travava entre Goulart e os militares fundamentalistas ou entre a esquerda e a direita locais, sim, entre a ameaça do comunismo (da União Soviética) e o capitalismo (dos EUA). Foi mais uma vitória deste último, que acabou derrotando (sobretudo depois da queda do muro de Berlim, em 1989) todos os “ismos” adversários: comunismo, socialismo, stalinismo etc.

Mas qual capitalismo venceu aqui no Brasil? O pior possível, o mais desqualificado e mascarado de todos, o mais primitivo e retrógrado, qual seja, o capitalismo selvagem, extrativista e patrimonialista, que não tem nada a ver com o capitalismo evoluído, distributivo e altamente civilizado, hoje praticado por Noruega, Suécia, Dinamarca, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Holanda, Bélgica etc.

Aqui venceu o “milagre econômico”, que promoveu a concentração de renda, o enriquecimento de uma pequena elite burguesa (durante a ditadura nosso Gini – desigualdade -, já bastante desequilibrado, foi de 0,54 para 0,64), que se valeu do governo militar autoritário para parasitar o povo por meio de um neoescravagismo, fundado no arrocho dos salários dos trabalhadores e na redução do poder aquisitivo do salário mínimo (até hoje não recuperado).

Diziam que “o regime autoritário é bom por causa da racionalidade econômica”. Foi mesmo uma racionalidade em favor da concentração da renda nacional (reitere-se: do Gini 0,54 passamos para 0,64) e da quebradeira geral dos trabalhadores assalariados, do salário mínimo. Esse é o capitalismo brasileiro, patrimonialista, onde o governante confunde o patrimônio público com o patrimônio privado, favorecendo sempre a burguesia selvagem e extrativista, que se valeu da ditadura para aprofundar nosso apartheid social (processo de segregação de setores da sociedade), para endividar o país, gerar inflação (que é o gafanhoto dos salários), de quase 200% ao ano, corrupção abundante, analfabetismo, em suma, para quebrar o país mais uma vez, sem diminuir a riqueza da elite.

Foi assim que chegamos em 2014 como uma nação emergente fracassada: 16º país mais violento do mundo, com 27,1 assassinatos e 22 mortes no trânsito para cada 100 mil pessoas, com 16 das 50 cidades mais violentas do planeta, índice Gini de 0,51 (altíssima desigualdade), posição 85 no IDH (ridícula), renda per capita muito baixa (USD 11 mil), 8º país do mundo em analfabetismo, ¾ da população é analfabeta funcional, piores colocações nos rankings internacionais de educação (PISA etc.), falta de mão de obra qualificada, crescimento econômico raquítico (pibinho baixo), políticos corroídos pela corrupção, democracia puramente formal, estado patrimonialista, igualdade material utópica, sociedade incivil, justiça precária etc.
 

Imagens 1, 2, 3 e 4: Reprodução