As palavras, essa semana, do
representante de algumas lojas do comércio varejista de Blumenau – SINDILOJAS -
a respeito da iniciativa da prefeitura em ampliar as ciclofaixas em várias ruas
da cidade, somado à opinião de muitos motoristas e às pérolas de um empresário
brusquense no sentido de que as bicicletas atrapalham o trânsito alertam:
Blumenau precisa evoluir em relação à bicicleta.
Foto: Reprodução |
O argumento de que instalar uma malha cicloviária na cidade pode ser um problema, contraria o que diz qualquer literatura mundial em mobilidade urbana e a própria realidade de que o verdadeiro problema é o uso que as pessoas fazem de seus veículos e que acaba entupindo as ruas de carros. Bicicleta não é problema, é solução, mas parece que a sociedade se recusa a entender isso.
A reclamação de que para instalar as ciclovias não se
consulta os comerciantes diretamente atingidos pela medida é justa. Realmente, entendo que deveriam consultar sim, até para orientar sobre a oferta de
estacionamento seguro para os ciclistas e como estratégia de fidelização desses
consumidores sobre duas rodas.
Só não entendi o argumento de que as lojas estão
estabelecidas há anos em seus pontos e que as ciclovias e ciclofaixas vão
afetar negativamente os negócios, já que a mesma Constituição que assegura o
direito à propriedade é aquela que assegura a função social da propriedade. E
não existe nada mais social do que a função de um comércio que abre suas portas
para atender as pessoas, o que faz crer que os interesses coletivos estejam
acima dos interesses privados.
Foto: Jaime Batista da Silva |
O representante dos lojistas implicitamente se refere aos
ciclistas como “grupos minoritários, mas barulhentos, que fazem valer suas
posições.” Sinceramente, não acredito que os ciclistas sejam minoria em
Blumenau porque há mais pedestres do que motoristas e quem pedala representa
muitos desses pedestres.
Já se parou para pensar quantas pessoas vão para o trabalho
diariamente de bicicleta, inclusive pedalando longos percursos? Basta dar uma
olhadinha nos estacionamentos das principais empresas em todas as áreas da
cidade para se espantar com a quantidade de bicicletas estacionadas em seus
pátios.
Em Blumenau já temos um serviço de
entrega de encomendas feita só por ciclistas, os carteiros trabalham de
bicicleta, os guardas de trânsito trabalham de bicicleta, os entregadores de
pequenos mercados nos bairros fazem entregas de bicicleta. Muitas crianças vão e voltam da escola de bicicleta.
Foto: Jaime Batista da Silva |
Não se trata de primeiro construir ciclovias para que
Blumenau tenha a adesão dos ciclistas, mesmo porque temos 65% de leitores de um
jornal local que já disseram que deixariam o carro em casa para pedalar se
tivesse condições mínimas de segurança. Isso mostra que a adesão já
existe, mas as pessoas só não pedalam mais por falta de ciclovias e
ciclofaixas.
Quanto à sugestão de liberar as ciclovias para o lazer das
20h às 5h durante a semana, eu pergunto: quem é que depois de trabalhar um dia
inteiro vai pedalar de madrugada por lazer numa cidade cada vez mais insegura e
com tantos assaltos e aumento da criminalidade? Não seria empurrar as pessoas
para uma situação de risco extremo? Não é essa a proposta de lazer que as
pessoas precisam.
O direito ao lazer, à mobilidade, à segurança, - e isso
também inclui o direito a um trânsito seguro -, são direitos constitucionais e
necessários à qualidade de vida em tempo integral, não só de madrugada ou aos
finais de semana como o representante dos comerciantes sugere. E tal sugestão
está longe de ser uma medida proveitosa e inteligente para toda a comunidade.
Foto: Bicicletas do Vale |
No Brasil, temos editado há 5 anos o Caderno de referência para elaboração de
plano de mobilidade por bicicleta nas cidades e a Lei 12.587, que normatiza
a Política Nacional de Mobilidade Urbana. O Plano de Mobilidade por Bicicleta
orienta para o planejamento da circulação cicloviária, fornece elementos para a
elaboração de projetos cicloviários e aborda a importância de integrar as
bicicletas a modos coletivos de transporte, sobretudo para permitir
deslocamentos maiores.
Mesmo uma cidade com relevo que não
ajuda muito, com muitos morros e subidas, é possível utilizar a bicicleta para
alternar o uso do carro em situações específicas.
Mas, o problema não me parece ser só
esse, mas uma questão de mentalidade, de rever os conceitos e a forma de pensar
em relação ao uso do carro e da bicicleta, porque as pessoas se recusam a
acreditar num colapso do trânsito que já vem sendo anunciado há muito tempo.
Por outro lado, não adianta valorizar a
bicicleta só como peça decorativa em época de Oktoberfest, para emendar uma na
outra, encher de florzinhas e pedalar alguns metros no desfile. Trata-se de
pensar a bicicleta como ferramenta para a mobilidade sustentável, para o lazer,
para a melhoria da qualidade de vida das pessoas nas cidades.
Segundo os dados levantados pela
consultoria Tendências, estima-se que em 2012 foram vendidas quase 5 milhões de
bicicletas no Brasil, somando-se a uma frota estimada em mais de 60 milhões de
bikes. A ideia da bicicleta pode ser antipática para quem cultua o carro, mas
sua utilização supera a ideia de que seja utilizada só como transporte
alternativo para pequenos trajetos.
Foto: Bicicletas do Vale |
Porquê então, não se orgulhar de outras
coisas boas da Alemanha como o plano de mobilidade urbana que prioriza o uso de
bicicletas com seus mil quilômetros de ciclovias em que o uso da bike já supera
o de carros?
Uma mente que se abre para novas ideias jamais retorna ao seu tamanho normal. Então, vamos evoluir, Blumenau!