Tudo
bem que mobilidade humana, proteção e prioridade ao pedestre tem que ser todo
dia e que setembro ainda está longe, mas para as cidades e as pessoas que
querem fazer algo, efetivamente, sério, o momento de começarem a se mexer é agora!
Infelizmente,
temos no nosso país uma cultura de planejamentos e ações, principalmente em
segurança no trânsito, voltada apenas para as datas comemorativas. É só chegar
a Semana Nacional do Trânsito que as escolas e os professores ficam em
polvorosa. No meio do corre-corre para decorar toda a escola os alunos ensaiam dramatizações,
jograis, paródias, participam de concursos de cartazes, de pintura, de frases
sobre o trânsito e de tantas outras atividades. Mas, ao longo dos outros dias
do ano o assunto trânsito mal entra na pauta.
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Contraditoriamente,
enquanto ecoa em uníssono o discurso de que trânsito deveria ser matéria
obrigatória no currículo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prima
pelo ensino globalizante e o trânsito pode ser trabalhado diretamente em 5 dos
6 temas transversais existentes, mas quem é que disse que se trabalha trânsito
na escola?
Cada
escola tem o seu Projeto Político Pedagógico (PPP), que representa a sua carta
de navegação política e pedagógica: um documento feito pela escola,
professores, pais, alunos e comunidade. Mas, quantas dessas escolas inclui o
trânsito em suas metas a serem trabalhadas a curto, médio e longo prazo?
Talvez,
as secretarias de educação em muitos municípios organizem concursos de redação
e até premiem as melhores frases daqueles alunos que escrevam que as cidades
devem ser pensadas e planejadas para as pessoas e não para os veículos, mas
será que os governantes que vão entregar os prêmios estão fazendo isso na sua
própria cidade?
Talvez
a frase vencedora desse tipo de concurso na Semana Nacional do Trânsito seja
aquela do aluno que dirá que uma cidade feita para as pessoas é aquela em que
se estimula o uso da bicicleta como transporte alternativo para pequenos
percursos. Talvez, essa criança até ganhe como prêmio uma bicicleta, mas será que
a sua cidade vai lhe oferecer condições seguras de pedalar no lazer ou na ida e
vinda para a escola?
Isso
faz pensar sobre que tipo de importância se está dando à Semana Nacional do
Trânsito e se estaremos premiando apenas o que queremos ouvir e não fazemos em
nossas cidades.
O
fato é que não se pode pensar que um dia teremos cidades para as pessoas,
proteção e prioridade ao pedestre enquanto o próprio governo zera as taxas e
impostos para incentivar a compra de carros novos sem oferecer malha viária
decente e segura num país em que morrem, por ano, mais de 60 mil pessoas em
acidentes.
Porque
fazer uma cidade para as pessoas com proteção e prioridade ao pedestre inclui também
medidas de engenharia, de fiscalização e de educação que possibilitem o deslocamento
com segurança, conforto e acessibilidade para todos: pedestres, ciclistas e
condutores.
Inclui
quebrar velhos paradigmas e estereótipos de que tanto a qualidade de vida
quanto o ideal de felicidade do século 21 se resumem a ter um carro ou uma
moto. Enquanto as cidades e os países mais evoluídos também em mentalidade e em
cultura implantam medidas que priorizam as cidades para as pessoas e as áreas
de convivência humanas em detrimento do veículo, continuamos caminhando na
contramão, fazendo todo tipo de mudança que favoreça o fluxo de veículos.
Numa
cidade planejada para as pessoas as sinaleiras para pedestres oferecem mais
tempo para as travessias humanas.
Numa
cidade planejada para as pessoas há investimentos em ciclovias, ciclofaixas e
ciclorrotas; há modificação do traçado e da geometria das vias para favorecer a
vida das pessoas nas cidades com espaços de convivência arborizados e
humanamente recriados.
Nas
cidades planejadas para as pessoas, em vez de se construir mais pistas para os
carros e aumentar a velocidade permitida, reduz-se a velocidade como uma forma
de aumentar a segurança, a proteção e a prioridade para os pedestres, porque é
isso que reduz os impactos de acidentes e morbimortalidade de pessoas no
trânsito.
Não
se trata de ser contra o veículo, mas de se encontrar uma forma de uso racional
para atender as necessidades de deslocamento das pessoas, estejam elas sobre
rodas ou não.
Também
não se trata de importar modelos do que deu certo lá fora e usar como carbono no
Brasil, um país com uma frota que não pára de crescer e também onde as pessoas
mais matam e ferem no trânsito e onde tudo que se tenta no sentido de impactar
menos as cidades e reduzir a acidentalidade não dá resultado! Trata-se de abordar
o problema com a devida seriedade e mudança de mentalidade que se pede.
Pertenço
a uma escola que entende e defende que a Semana Nacional do Trânsito deveria
ser aquele período em que todo o Brasil se reuniria em torno das ações
realizadas ao longo de todo o ano para analisá-las, reavaliá-las e melhorá-las para
cuidar melhor das pessoas e prevenir ainda mais a acidentalidade.
Já
que muitas cidades não terão o que avaliar na Semana Nacional do Trânsito deste
ano, que a programação não seja só comemorativa. Que sirva como reflexão para o
país entender que assumimos perante o mundo o compromisso de reduzir para 11 as
23 mortes a cada 100 mil habitantes até o ano 2020 com uma taxa de mortalidade
de mais de 60 mil mortos por ano.
Que
sirva para o país entender os custos tangíveis e intangíveis de tudo isto.
Afinal, as mudanças que tanto esperamos para um trânsito mais humano e seguro
começam pela mudança de mentalidade. E que em vez de apaixonados por carros
como querem que acreditemos que somos, sejamos apaixonados pela vida ao ponto
de construirmos cidades com segurança, proteção e prioridade às pessoas.
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