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No dia 14 de janeiro de 1990, estreava na TV americana o segundo
episódio da primeira temporada de “Os Simpsons”, o primeiro a ter a clássica
sequência de abertura e que terminava com a famosa cena do sofá, quando toda a família
corria para casa e se reunia no sofá da sala para assistir televisão. Abertura
que vinha totalmente ao encontro da crítica à classe média americana que o
programa fazia, retratando a televisão como um instrumento de alienação, utilizada pelo governo e pelas corporações para dominar as massas. Hoje, 25
temporadas depois, a cena do sofá continua presente na maioria das aberturas da
série, apesar de terem tirado a antena VHF interna e colocado uma TV HD na
sala, será que a crítica social continua válida? Alguém conhece alguma família nuclear
de classe média que chega em casa e se reúne na frente da TV?
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Nelson Rodrigues disse que a televisão matou a janela, bem, lamento
informar, mas alguém matou a televisão. Alguém? Ou será que foi suicídio? Não
um suicídio consciente, mas algo como aquele fumante que sabe que o cigarro
está lhe matando lentamente e não faz nada para impedir, ou como aquela velha
empresa familiar que há 30 anos faz os negócios da mesma maneira e não vê
motivos para mudar agora. Então foi arrogância? Quem sabe. O fato é que quando
se está no poder a tanto tempo ocorre uma perda de contato com a base, é como
uma ditadura que não prevê a chegada de uma revolução. Mas e a internet, ela
não é responsável pelo declínio das corporações de TV aberta? Talvez essa seja
a causa terminal, como num atestado de óbito, em que a causa terminal pode ser
um choque traumático, que teve como causa intermediária fraturas múltiplas e
como causa básica o atropelamento por um caminhão. É como se as corporações
televisivas fossem Hitler em seu bunker pronto para tomar o cianeto, enquanto a
internet seria cada soldado aliado ocupando Berlin, então, quem matou Hitler, o
cianeto, os aliados, ou sua arrogância?
Os Sintomas
A crítica feita pela série “Os Simpsons” não podia representar melhor
a sociedade dos anos 1990, o auge da televisão, época que, quando passava “Karatê
Kid” na Tela Quente, no outro dia todos os garotos do colégio estavam tentando
fazer o golpe da garça, tempos em que toda segunda-feira o assunto no colégio
ou no escritório era a reportagem que o Fantástico fez sobre dinossauros ou
alienígenas. Alguém conhece alguma criança em idade escolar que ainda assiste o
Fantástico? E se você ainda acha que estou sendo muito radical, vou utilizar um
exemplo bem recente: Há algumas semanas uma jornalista do SBT gerou furor nas
mídias sociais com um comentário sobre um menor infrator que fora preso e
espancado por populares, não entrarei no mérito da questão, mas esse fato só
tomou notoriedade por causa da internet, alguém postou o vídeo no youtube e
depois você o viu na timeline do facebook, porque ninguém assiste aos jornais
do SBT, então tudo que eles conseguem gerar é polemica, não mais influência ou
manipulação.
Imagem: http://sandrodb.wordpress.com |
Ah, mas os canais de TV continuam aí, então como você afirma que a
televisão morreu quando milhares de pessoas assistem ao Big Brother e a
audiência da novela é altíssima? A televisão não morreu e nem morrerá, a
maneira como você a conhece que sim, assim como antes de matar a janela a
televisão já havia matado o rádio e o rádio continua por aí, apenas mais
segmentado, uma mídia de nicho. A própria Rede Globo (fonte) define o público da novela como predominantemente feminino (65%) e
da classe C (50%), além do que, se analisarmos o gráfico abaixo, veremos que a audiência da
novela vem caindo significativamente.
Imagem: http://atributo.com.br |
Apesar da audiência da televisão estar caindo e cada vez mais
segmentada ela ainda é muito alta, certo? Será mesmo? Eis que chegamos em outro
ponto crucial: A falácia da audiência. Você sabe como é medida a audiência das
emissoras de TV, o popular Ibope? Certamente é muito mais por estimativa do que os views do youtube (veja matéria sobre como é medida a audiência da televisão no Brasil), ou seja, os pontos de audiência são
superestimados pelas emissoras, está aí um dos fatores que compõem a arrogância
já mencionada. Se perguntarmos ao humorista Fábio Porchat, por exemplo, se ele é mais
reconhecido ou parado na rua pelos vídeos do canal "Porta dos Fundos" ou pelos
seus trabalhos na Rede Globo, qual seria a resposta dele? Ainda não convencido? Vamos
perguntar aos universitários, ou melhor, aos publicitários. Segundo estimativas, o
investimento em publicidade digital superará os investimentos em televisão já
em 2016 (veja o gráfico ao lado), isso que a televisão ainda mantém a arrogância
de ter preços altíssimos, pois o volume de anúncios na internet já é muito
maior, não há hoje campanha publicitária que se preze sem o mínimo de investimento
em internet e mídias sociais.
A Causa Básica da Morte
Um dos grandes trunfos da televisão foi controlar a ansiedade do
telespectador com datas de estreia, programas que cortam no momento mais
importante e só mostram a resolução no próximo capítulo, etc., se deu certo no
passado dará certo sempre, certo? O novo consumidor não tem tempo, paciência ou
simplesmente não consegue sentar a frente da TV sempre no mesmo horário para
ver seu programa favorito, ele precisa de flexibilidade, ele quer assistir o
que quiser na hora que quiser. Um bom exemplo disso são serviços como o
Netflix, que disponibiliza o conteúdo online para ser assistido a qualquer
momento pelo usuário, além disso, lançaram todos os episódios da sua série
original "House of Cards" no mesmo dia, você não precisa mais esperar até a
semana seguinte para assistir ao próximo capítulo. Isso mostra como a
arrogância das corporações televisivas as mantém engessadas e impedem que se
adaptem aos novos tempos. Mesma arrogância que lhes faz acreditar que ainda são
donos do monopólio da informação, como nas manifestações ocorridas no Brasil em
2013, enquanto as emissoras de TV, no uso de seu suposto poder de manipulação,
tentavam a todo custo mostrar apenas os atos de vandalismo de uma parcela de
pessoas e reduzir o significado das manifestações, as notícias sobre violência
policial e como o movimento ganhava força pelo país chegava às pessoas por meio
de outras formas de comunicação e apenas enfraqueciam as imagens das emissoras
de TV.
Charles Darwin já dizia que evolução não é sinônimo de progresso,
apenas a sobrevivência do mais apto, portanto, esclareço que não estou dizendo
que a manipulação das massas acabou com fim da televisão e ascensão da internet
e mídias sociais, afinal, a massa é ignorante, mas apenas não gosta de ser
tratada como ignorante, como a televisão vem fazendo. Queremos ser manipulados,
apenas não queremos parecer bobos. Trata-se apenas de uma mudança de hábitos,
que grandes corporações engessadas não conseguiram perceber a tempo. Afinal, se
nos dias de hoje a família Simpson não se reuniria na frente do sofá para assistir
TV, talvez Bart fosse direto para o
quarto jogar Playstation ou acessar o xvideos, enquanto Marge tiraria alguns
selfies, de lado, no espelho da academia, fazendo um belo de um duck face para
postar no facebook e instagram com as hashtags #love, #cute e #fitness, neste
momento, Lisa estaria xingando muito no twitter sobre o aquecimento global e
escrevendo sobre vegetarianismo para seu blog, Maggie se divertiria sozinha com
um tablet na mão, afinal ninguém dá atenção para ela mesmo, enquanto Homer,
bem, ele provavelmente seria aquela pessoa que continua assistindo o Big
Brother, porque para sair da frente da televisão ele teria que levantar do
sofá.
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