Meu objetivo em escrever esse post não é para bater de frente com ninguém, tampouco para jogar lenha na fogueira ou balde de água fria na empolgação de quem foi flagrado pelos controladores de velocidade móveis do Seterb e já comemora a possibilidade de anulação das multas. A ideia aqui é tentar ajudar a população a entender o que diz a lei a este respeito a partir de minha formação na graduação em Segurança no Trânsito, dos debates e interações com os especialistas no assunto, do que diz as jurisprudências já publicadas e no dever de ofício como educadora de trânsito.
Fonte: oblumenauense.com.br |
O que eu penso a respeito não é novidade para ninguém e dispensa defesas parciais, pois todos deveríamos cumprir as leis de trânsito com a mesma seriedade com que evocamos essas mesmas leis para defender nossos direitos. Quanto à transparência e publicidade da receita arrecadada com as multas e o devido destino de cada moeda, temos que cobrar sim e fiscalizar sempre.
Eis o cenário: até então, não havia fiscalização de velocidade em Blumenau por redutores ou controladores eletrônicos de velocidade, que aliás, foi motivo de muitos pleitos e até protestos da população com farto destaque na mídia. Eu mesma disse muitas vezes que era uma vergonha para uma cidade como Blumenau, com a população e com a frota que tem, não termos nenhum dispositivo como estes. Isso fazia com que muitos motoristas abusassem da velocidade com a certeza da impunidade, colocando a si mesmo, aos outros e principalmente pedestres em risco, tanto que tivemos e ainda temos muitos atropelamentos com morte e outros acidentes provocados e agravados pelo excesso de velocidade.
Daí os controlares chegam, começam a ser usados e começa a choradeira dos motoristas, sempre os que foram flagrados e autuados pelos equipamentos. O assunto rendeu e foi apresentado um projeto de lei que obriga a colocação de placas avisando onde tem controlador de velocidade, o que vai contra a Resolução 396/11 do Contran, que é quem regulamenta o assunto e, consequentemente, forçando a anulação ou cancelamento das multas já aplicadas, o que também não é de competência do Legislativo Municipal. Recorrendo à legislação vigente, há que se considerar o seguinte.
Legislar em assuntos de trânsito é de competência privativa da União
Ainda que o CTB seja municipalizador e uma de suas atribuições no art. 24 do CTB seja planejar, operar e projetar a sinalização para garantir a segurança de todos no trânsito, é da União a competência privativa para legislar sobre trânsito e transporte, consoante disposto no art. 22 , inciso IX , da Constituição . Precedentes : ADI nº 3.196/ES ; ADI nº 3.444/RS; ADI nº 3.186/DF; ADI nº 2.432/RN; ADI nº 2.814/SC. Isso significa que assuntos como controladores e redutores de velocidade só podem ser regulamentados pelo CONTRAN (em respeito à hierarquia das leis). Se isso for levado a sério, o projeto de lei apresentado à Câmara não passa. Lembram-se de um Projeto de Lei de autoria um vereador da cidade que determinava colocar lombada elevada em frente à todas as escolas de Blumenau, mas que não passou porque o CONTRAN ainda não tinha regulamentado o assunto?
Não é o Legislativo quem determina anulação de multa
No Rio de Janeiro (só para citar um dos muitos exemplos), já se tentou a mesma coisa, mas foi reconhecida a inconstitucionalidade formal da Lei nº 3.279 /99 daquele estado, porque o cancelamento de toda e qualquer infração é anistia, não podendo ser confundido com o poder administrativo de anular penalidades irregularmente impostas. Somente a própria União pode anistiar ou perdoar as multas aplicadas pelos órgãos responsáveis, restando patente a invasão da competência privativa da União no caso em questão. A ação direita de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ADI 2137 RJ (STF)
Data de publicação: 08/05/2013
A lei não obriga o aviso de onde tem radar
De 2006 a 2011 os órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários eram obrigados a informar por meio de placas os locais de fiscalização eletrônica de velocidade, observando o cumprimento de distâncias mínimas entre a sinalização vertical e o equipamento medidor de velocidade. Era o que determinava a Resolução 214/06 do CONTRAN, que alterou outra Resolução, a de nº 146/03. Só que em dezembro de 2011 veio a Resolução 396, que revogou essas duas anteriores, e uma das principais mudanças foi a não obrigatoriedade de placa avisando os locais de fiscalização eletrônica, sobretudo em via urbana. O entendimento do legislador é de que todo condutor deve conhecer e respeitar as leis de trânsito independente de estar sendo fiscalizado ou não e de que, informar a existência do “radar” é o mesmo que dizer: onde tiver “radar”, reduza a velocidade; nos outros trechos da via, fique à vontade para praticar a velocidade que quiser, pois não será fiscalizado.
Todo motorista tem que saber a velocidade da via mesmo sem placa
Ainda que seja dever do município sinalizar todas as vias da cidade, inclusive respondendo de forma objetiva pelos danos causados pela falta de sinalização, sinalização precária, incorreta ou pela omissão em sinalizar, este não é o caso para as placas avisando onde tem controle de radar móvel porque essa regulamentação é de competência do CONTRAN por meio de Resolução, porque já existe lei sobre o assunto e ela diz que não é obrigatório o aviso.
Ademais, a mesma Resolução 396/11 diz a respeito do controlador eletrônico de velocidade: medidor de velocidade destinado a fiscalizar o limite máximo regulamentado para a via ou trecho por meio de sinalização (placa R-19) ou, na sua ausência, pelos limites definidos no art. 61 do CTB, que determina para as vias urbanas:
O condutor deve atentar, sempre, para a velocidade máxima em cada tipo de via em que circula com seu veículo: se ela não estiver expressa na placa de regulamentação, os limites são os estabelecidos no artigo 61 do CTB:
Vias urbanas - 80 km/h, nas vias de trânsito rápido (o caso da Via Expressa);
- 60 km/h, nas vias arteriais (o caso da Rua das Missões, Rua Bahia e de mesma característica);
- 40 km/h, nas vias coletoras (todas as vias secundárias que ligam as vias locais com as vias arteriais);
- 30 km/h, nas vias locais.
Ou seja, o CTB determina que todo condutor deva saber a velocidade em que deve dirigir em cada rua da cidade mesmo que não tenha placa R-19 (que regulamenta a velocidade máxima). Como? Pelas características de cada tipo de via, de rua, o que todo condutor devidamente habilitado aprendeu (ou deveria ter aprendido) nas aulas de legislação na autoescola, ratificado pelo que diz o art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: o desconhecimento da lei não exime o infrator de cumpri-la. Traduzindo: ninguém fica imune à pena, por desconhecer a norma que tipifica o ato ilícito.
Portanto, toda vez que um condutor estiver dirigindo o seu veículo acima dos limites estabelecidos legalmente, ou pela sinalização, está sujeito à fiscalização, por meio dos medidores de velocidade e conforme a regulamentação do CTB e das Resoluções do CONTRAN.
No entanto, ainda que o CTB diga que todo condutor tem que saber a velocidade nas ruas sem placa que informe a velocidade máxima, a Resolução 396/11 levou em consideração que nem todo motorista sabe disso, e tentou corrigir ou facilitar as coisas, determinando a obrigatoriedade da placa R-19. Como as Resoluções são publicadas de tempos em tempos para tentar atualizar o CTB e outras leis, a regra geral passou a ser de que a fiscalização de velocidade seja realizada apenas em vias com sinalização de regulamentação de velocidade máxima permitida (placa R-19). Segundo o art. 6º da Resolução 391/11, é uma forma de garantir a segurança viária e informar aos condutores dos veículos a velocidade máxima permitida para o local (artigo 6º da Res. 391/11).
Mas, isso não significa que tenha que ter placa avisando a velocidade máxima em cada ponto da via: basta que a placa informando a velocidade máxima seja colocada no seu início, para que o condutor saiba que vai trafegar nessa velocidade até que haja outra placa informando uma eventual mudança em outro trecho.
A fiscalização com controlador de velocidade a uma determinada distância, facultando a repetição de placa em distância menores (como quer o projeto de lei municipal) e com acréscimo de outra placa só é permitida pelo art. 7º da Resolução 396/11 em trechos de estradas e rodovias onde não houver placa R-19.
Resta saber agora se a polêmica toda em torno da fiscalização e se a preocupação da sociedade é com o respeito às leis de trânsito ou com o destino da receita arrecadada com as multas. Mais parece que as pessoas estão tentando culpar a fiscalização pelo mal comportamento dos motoristas, afinal, bastaria respeitar a legislação e a velocidade da via para que essas multas e a polêmica não existissem.
É claro que o resultado da falta de respeito às leis de trânsito tem como resultado uma receita alta, e muito alta com multas. E se o problema é o quanto o município arrecada, então vamos fiscalizar forte, de perto, fazer marcação de zagueiro em cima do poder público e cobrar a aplicação de cada moedinha fornecida pelos motoristas infratores. Mas, o melhor é sempre respeitar a velocidade da via e cumprir as leis de trânsito com a mesma seriedade com que evocamos essas mesmas leis para defender os nossos interesses.