Os
números são da própria prefeitura, publicados no Portal da Transparência a
partir de estatísticas geradas pelos Boletins de Ocorrência de Acidentes de
Trânsito (BOAT) preenchidos no atendimento pela Guarda Municipal de Trânsito
(GMT). Claro, que estamos falando somente dos acidentes oficialmente
registrados, sem contar aqueles em que a GMT não é acionada e que as pessoas
acabam se entendendo por ali mesmo. Os números demonstram que estamos
caminhando na contramão do compromisso assumido com a Década de Ações para a
Segurança no Trânsito, que começou em 2011, termina em 2020 e tem a meta de
reduzir em 50% a acidentalidade no Brasil e no mundo.
Fonte: Portal da Transparência/PMB/GMT 2013
Fonte: Portal da Transparência/PMB/GMT 2013
Comparando
os números de acidentes registrados na Rua João Pessoa de janeiro a junho de
2013 em relação ao mesmo período em 2014, constata-se que após a implantação da
faixa reversível ou da 3ª pista para veículos a quantidade de acidentes
disparou.
Não
se trata de um post antipático,
daqueles com a intenção de ficar apontando dedos, procurando erros ou para
fazer barulho. Trata-se de um convite ao bom senso, à reflexão e busca de
soluções conjuntas para um problema que já existia e vem se agravando: os
acidentes que interrompem a trajetória de vidas humanas no trânsito.
Em
janeiro de 2013 firam registrados 14 acidentes, número que chegou a cair e a
manter-se em janeiro e fevereiro de 2014, período em que foi implantada a faixa
reversível aumentando para 3 pistas. No Portal da Transparência não constam os
números de março de 2013, mas a partir de abril, os números disparam de 9
acidentes em 2013 para 20 no mesmo período em 2014. Isso representa um aumento
de 222% no número de acidentes registrados.
Em
maio de 2013 foram 16 acidentes registrados ao longo da Rua João Pessoa, número
que saltou para 22 no mesmo período em 2014. Da mesma forma, em junho de 2013 a
quantidade de acidentes registrados na Rua João Pessoa disparou de 12 em 2013
para 17 no mesmo mês em 2014.
Custo x
benefício
Um
dado apresentado como positivo pelo poder público em suas newsletter foi a diminuição do tempo de viagem dos ônibus coletivos
ao mesmo tempo em que se divulga na mídia a percepção positiva dos condutores
de veículos com as faixas reversíveis. Neste ponto, a inclusão de uma terceira
pista reduziu em até 43% o tempo médio das viagens em transporte coletivo em
horário de pico.
Das cinco linhas que circulam pela via no sentido
Centro/Bairro, o tempo médio de viagem no horário de pico, das 17h às 18h30,
entre o trecho Terminal Proeb/Tomio, caiu de 16 minutos para 9 minutos, o que
representa um ganho real de 7 minutos por viagem. Nos demais horários, neste
mesmo trecho, o tempo médio que era de 9 minutos caiu para 6 minutos, um ganho
de três minutos por viagem.
A prefeitura defende que as mudanças na Rua João
Pessoa, implantadas pela Secretaria de Planejamento, também geraram reflexos
positivos na saída do Bom Retiro para o bairro da Velha e que o Seterb
constatou um ganho de até 10 minutos, para uma viagem da Linha do Trabalhador,
que sai às 17h30 da Cia Hering e segue para o Terminal Velha, via rua Bruno
Hering (Morro da Cia). Anteriormente a linha levava 35 minutos neste horário
para chegar ao Terminal Velha, agora está levando 25 minutos.
E eis que se pergunta: será que estamos tendo
mesmo algum ganho real e efetivo diminuindo o tempo de trajeto dos veículos
(ainda que do transporte público) à custas do aumento da quantidade de
acidentes e de nenhuma oferta de segurança para os ciclistas? Isso não e benefício, é sacrifício!
Mesmo que os acidentes sejam causados em mais de
90% por falhas humanas, a “culpa” não deve ser toda dos condutores, até porque
as condições da via e outros elementos de engenharia e de fiscalização também
pesam nessa conta e forçam os condutores a modificarem seus comportamentos.
O que dizer,
então, dos ciclistas, sem um espaço seguro para se deslocarem ao longo de toda
a João Pessoa? Apesar das placas de advertência determinando que se deve dar a
preferência ao ciclista, sabendo-se que os cuidados ao se ultrapassar quem
pedala deve respeitar a distância mínima de 1,5 metros como determina o CTB e
que para isso o condutor que trafega pela João Pessoa tem que invadir a pista
contrária, se é levado a cometer uma infração para não cometer outra.
Ainda recorrendo
ao CTB, a mesma lei que é usada para fiscalizar, autuar, punir e justificar
todos os autos, acusações e defesas em se tratando de infrações, penalidades e
medidas administrativas de trânsito, consta no § 5º (e não é de enfeite) que
“os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito
darão prioridade em suas ações à defesa
da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente.”
Será que do modo
como está a pista reversível da João Pessoa trata-se de uma estratégia que
prioriza a defesa da vida de pedestres e ciclistas, justamente aqueles que os
condutores de veículos maiores devem, todos juntos, zelar pela sua incolumidade
no trânsito?
Lembrando que
trânsito é definido no CTB como “a
utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos,
conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação
de carga ou descarga.” Então, porquê priorizar somente os veículos em
detrimento dos demais usuários do trânsito e que são justamente os mais fracos?
Diz ainda o § 2º
do CTB que “O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do
Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas
competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.”
E tem mais: o §
3º do CTB determina que “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional
de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente,
por danos causados aos cidadãos em
virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas,
projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.”
Diminuir o tempo
de viagem dos ônibus de transporte público é uma coisa boa, positiva, pois os
usuários que dependem desse meio de locomoção se deslocam mais rápido. Tornar o
trajeto mais rápido para os veículos e eliminar gargalos e estrangulamentos é o
sonho de todo gestor público. Mas à custa de quê?
Do aumento do
número de acidentes (que gera mais custos em atendimento de resgate, hospitalar
e de reabilitação para o município) e da falta de segurança para pedestres e
ciclistas? Aí é onde essa conta não
fecha, pois o fator negativo é maior do que o fator positivo.
Em
qualquer discurso de legislação, de gestão e de segurança no trânsito que se
preze a vida sempre foi e será o bem maior a ser tutelado. Ganham cada vez mais
força as legislações, princípios e discursos de uma cidade para as pessoas em
detrimento dos veículos. O tema da própria Semana Nacional do Trânsito é a
mobilidade humana e a preservação da vida do pedestre.
Se a ideia é melhorar a
qualidade do transporte público há que se pensar em todos os aspectos de forma
contextualizada e incluir nas vantagens de redução de tempo de viagem o
conforto do usuário, o preço justo e outras vantagens que estimulem as pessoas
a deixarem os seus veículos em casa e a aderirem ao busão como principal meio
de transporte.
Estimular a racionalização
do uso do veículo particular e oferecer condições mínimas de segurança para o
deslocamento de pedestres e ciclistas, principalmente porque muitos usam a bike
como principal meio de transporte em substituição ao carro, moto e ônibus
coletivos, também se inclui na legislação, na mentalidade e na gestão para um
trânsito seguro.
A busca de soluções
para o trânsito na Rua João Pessoa e em tantas outras em Blumenau mais parece
um tabuleiro de xadrez em que o rei deveria ser o não motorizado, mas o valor
maior foi atribuído aos veículos.
Lembrando que no xadrez
o jogo acaba exatamente no momento em que o rei tomba. Não importa quantas
peças secundárias de maior valor você tenha.